178- Capítulo XXIII - Estranha Moral - Itens 1 a 3 - Odiar Pai e Mãe
- paulinhocomunhao
- 25 de out. de 2023
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Odiar pai e mãe
1. Uma grande multidão marchava com Jesus. Voltando-se para o povo, Ele disse: “Se alguém vem a mim e não odeia 27 a seu pai e a sua mãe, a sua mulher e a seus filhos, a seus irmãos e irmãs, mesmo a sua própria vida, não poderá ser meu discípulo. E quem quer que não carregue a sua cruz e me siga, não pode ser meu discípulo. Assim, aquele dentre vós que não renunciar a tudo o que tem não pode ser meu discípulo”. (LUCAS, 14:25 a 27; 33.)
2. “Aquele que ama a seu pai ou a sua mãe, mais do que a mim, não é digno de mim; aquele que ama a seu filho ou a sua filha, mais do que a mim, não é digno de mim”. (MATEUS, 10:37.)
3. Certas palavras, aliás muito raras, atribuídas ao Cristo, contrastam de maneira tão estranha com a sua linguagem habitual que, instintivamente, repelimos o seu sentido literal, sem que a sublimidade da sua doutrina sofra qualquer dano. Escritas depois de sua morte, visto que nenhum dos Evangelhos foi redigido enquanto Ele vivia, é de se supor que, em casos como este, o fundo do seu pensamento não foi bem expresso, ou, o que não é menos provável, o sentido primitivo, ao passar de uma língua para outra, pode ter sofrido alguma alteração. Bastaria que um erro fosse cometido uma vez, para que os copiadores o repetissem, como acontece frequentemente com relação aos fatos históricos.
O termo odiar, nesta frase de Lucas: Se alguém vem a mim e não odeia a seu pai e a sua mãe, está nesse caso. Ninguém teria a ideia de atribuí-la a Jesus. Será, pois, supérfluo discuti-la e, ainda menos, tentar justificá-la. Dever-se-ia, primeiro, saber se Ele a pronunciou e, em caso afirmativo, se, na língua em que se exprimia, a palavra em questão tinha o mesmo valor que na nossa. Nesta passagem de João: “Aquele que odeia sua vida, neste mundo, a conserva para a vida eterna”, é certo que ela não exprime a ideia que lhe atribuímos.
A língua hebraica não era rica e continha muitas palavras com várias significações. Tal é, por exemplo, aquela que, no Gênesis, designa as fases da Criação, e que também servia para expressar simultaneamente um período qualquer de tempo e a revolução diurna. Daí, mais tarde, a sua tradução pelo termo dia e a crença de que o mundo foi obra de seis vezes vinte e quatro horas. Tal, também, a palavra com que se designava um camelo e um cabo, porque os cabos eram feitos de pelos de camelo. Esta a razão de a haverem traduzido pelo termo camelo, na alegoria do buraco de uma agulha. (Ver capítulo XVI, item 2.)
É necessário, aliás, levar-se em consideração os costumes e o caráter dos povos, pela influência que exercem sobre o gênio particular de seus idiomas. Sem esse conhecimento, escapa o sentido verdadeiro de certas palavras. De uma língua para outra, o mesmo termo se reveste de maior ou menor energia. Em uma pode ser uma injúria ou uma blasfêmia, e em outra ser uma palavra insignificante, conforme a ideia que sugira. Na mesma língua, algumas palavras perdem seu valor com o passar dos séculos. É por isso que uma tradução rigorosamente literal nem sempre exprime perfeitamente o pensamento e que, para ser exata, deve empregar, às vezes, não termos correspondentes, mas outros equivalentes ou perífrases.
Estas notas encontram aplicação especial na interpretação das Santas Escrituras e, em particular, dos Evangelhos. Se não se tiver em conta o meio em que Jesus vivia, fica-se exposto a equívocos sobre o valor de certas expressões e de certos fatos, em consequência do hábito que se tem de assimilar os outros a si próprio. Em todo caso, é preciso afastar o termo odiar da sua acepção moderna, como contrária ao espírito do ensino de Jesus. (Veja-se também o cap. XIV, item 5 e seguintes.)
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